12 março, 2007

Orgânico vs Arquitectura ?






P.S. Para mais informações sobre o projecto de Zaha Hadid aqui




A pujança estética que imana das visualizações do projecto de Zaha Hadid para o Performing Arts Center in Abu Dhabi são só por si suficientes para uma referencia neste post, mas também porque descrevem o carácter verdadeiramente artístico e vanguardista da obra da arquitecta. A discussão que daqui irá imanar já se advinha, o mediatismo das imagens versus a honestidade ou a integridade da arquitectura. Mas não será esta a altura certa, para tal abordagem. Por agora, limitemo-nos não só a prestar a devida homenagem ao(s) talentoso(s) operador(es) grafico(s) que é verdadeiro criador de mundos virtuais, onde o limite é definido pela capacidade de sonhar... (sim porque a distancia que vai desde as visualizações à sua materialização será como estabelecer um paralelo entre ler um bom livro e depois a sua transposição para o cinema....os mecanismos criadores da nossa imagem mental (o sonho), são sempre mais sedutores do que aqueles que os meios tecnológicos permitem materializar); mas também a pensar porquê a linguagem formal da arquitecta nos interpela tanto, não será um sinal de mudança?
Não obstante esta referência aos técnicos que estão por detrás da aproximação da arquitectura à compreensão do cidadão comum, o que gostaria de destacar é a forma como a metodologia projectual usada pela arquitecta lhe permite gerar formas que de todo nos interpelam e de que maneira alguma ficamos indiferentes, as formas sinuosas e orgânicas fruto de uma abordagem desconstrutivista do espaço aliado a uma inspiração em motivos naturais. As formas naturais estão directa ou indirectamente explicitas no edifício, das quais podemos destacar os envidraçados em forma de folhas. Nas suas próprias palavras Zaha Hadid descreve o edifício como sendo uma "analogia biológica" a partir da qual os elementos primários são transformados através de diagramas abstractos para uma linguagem arquitectónica. No entanto, o resultado gerado não tem nada de minimalista, de essencial, de simbiótico entre o edifício e o Homem, as formas são levadas ao exuberante, ao gritante, o complexo não terá forçosamente de ser "over the top"!
Somente me estou a debruçar na questão meramente formal do invólucro do edifício, na forma pela forma, pois se começarmos a dissecar as problemáticas funcionais subjacentes à programática deste edifício, reparamos de imediato como irreflectido é o uso desproporcionado do vidro no anfiteatro, visto ser um material com uma elevada capacidade de reflexão sonora, além da pragmática questão da limpeza dessas superfícies transparentes, como também o uso de materiais pouco eficientes do ponto de vista ambiental. E é aqui que queria introduzir um dos pontos de reflexão. A natureza cria as mais eficientes formas, as mais belas e as que nos induzem a sensações de perfeita harmonia, e é segundo este princípio que o designer Ross Lovegrove tem pautado o seu trabalho. Autoproclamando-se como "essencialista orgânico" defende que a perfeição reside no equilíbrio entre usarmos somente aquilo que é estritamente necessário "nothing less than is needed". E acho que todos temos de concordar como genial é o resultado conseguido com o iPod.
Além disso, uma verdadeira arquitectura orgânica deverá ser sustentável, "nature friendly" e não somente basear-se em linguagens formais saídas de imaginários futuristas.
O que me inquieta acima de tudo é entender o porquê desta empatia constante com linguagens ditas orgânicas, isomórficas, antropomórficas, biológicas. Não será uma abordagem biológica do espaço o caminho correcto para responder as verdadeiras necessidades físicas e sensoriais do ser humano, um ser orgânico e biológico, não será esse o passo certo a dar na Evolução. O verdadeiro conhecimento não estará em nós e no que nos rodeia? Não será somente entendendo o equilibro natural, o modo como interagimos com o mundo biológico que podemos desenhar, projectar verdadeiramente espaços em comunhão com a nossa necessidade de habitar? Porque afinal, a linguagem cartesiana não passa de um instrumento de descodificação da complexidade formal que encontramos no mundo orgânico que nos rodeia. E como tal, porque mantermo-nos agarrados a este modo abstracto, racionalizado de observar o mundo quando a verdadeira caixa de Pandora ainda não foi aberta. Não será uma superfície boleada mais agradável ao toque do que arestas vivas, não será uma superfície curva sensorialmente mais aprazível do que um plano vertical?
Sinceramente penso que a resposta a estas questões é afirmativa, e que devemos enveredar por este modo de pensar a Arquitectura. E desde já demonstro muita da minha incapacidade para o fazer, pois o ensino tradicional da arquitectura não o permite. Não possuo os instrumentos e o conhecimento que me permitam de uma forma séria fazer arquitectura que sirva o Homem sem cair numa abordagem meramente estética, qual objecto escultórico, como é o caso deste projecto de Zaha Hadid. Responder de uma forma capaz a este desafio não passa pela destreza em manipular programas de desenho 3d, ou somente pela inspiração em formas naturais, é preciso compreender, estudar, ter uma abordagem científica que se debruce sobre questões que eu por demonstrada incapacidade nem sei precisar, possivelmente padrões de crescimento dos organismos, compreender como o nosso próprio corpo humano funciona. Acima de tudo compreender que somente através da rejeição do acessório poderemos ser verdadeiros criadores. Mas "a César o que é de César", e Zaha Hadid com o seu trabalho tem a virtude de inquietar os espíritos e mostrar-nos que existem outros modos de projectar, e sem dúvida estará a preconizar, lançando as bases, aquela que no futuro será uma revolução inevitável na arquitectura e no seu modo de criar, construir, a busca pela simbiose natural entre o homem e o objecto.





Este foi o primeiro projecto a ser desenhado e produzido por Lovegrove, inspirando-se na "tira" do DNA. Lovegrove gosta de dizer que o DNA - Design, natureza, arte – está na base do seu trabalho.

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