30 novembro, 2008

HOUSEmade - Anna Heringer

Fazer arquitectura em Países Sub-desenvolvidos parece não ser a forma mais imediata para se chegar à notoriedade e ao reconhecimento mundial, no entanto, o desafio que esta prática apresenta deveria ser exaltado e distinguido. No entanto, há quem desvie o olhar do mediatismo formal colorido pelo capitalismo, e procure os princípios que distinguem uma arquitectura de qualidade. Pois bem, dois anos passados depois de Anna Heringer ter ganho um prémio AR Arquitecturas Emergentes para uma escola em Bangladesh, a atitude demonstrada continuou presente e este último exemplo apresenta um acrescento de ambição.
O destaque atribuído a esta arquitecta deve-se a um conjunto de projectos que englobam habitações individuais ao abrigo do programa HOMEmade e um edifício de uso-misto dedicado à educação. Estes projectos foram construídos com mão-de-obra local e materiais existentes na região, barro e bambu, que se encontram disponíveis a preços mínimos, pois não envolvem no seu processo de fabrico qualquer dispêndio de energia.
Os edifícios têm dois andares, e tem uma ocupação de 100% da implantação, minimizando assim a percentagem de terra desviada para uso agrícola.
Apesar de alguma tradições culturais relacionadas com a apropriação do espaço continuem a ser respeitadas, como por exemplo a existência de edifícios separados para lavatórios e casas de banho, houve no entanto enormes melhoramentos à estrutura programática habitacional existente, que diversas vezes alberga famílias e animais de uso doméstico.
A generalidade das habitações possuem uma área habitável que permite congregar todo o agregado familiar dentro de casa e igualmente permite que as crianças possuam um espaço para realizarem os seus trabalhos escolares em silêncio e tranquilidade.
No edifício habitacional, uma escola de formação de electricistas, a organização vernacular típica para estes edifícios, em torno de um pátio central, foi alterada para poder compreender uma única unidade que reúne gabinetes, salas de aulas, e “apartamentos” para os professores.
Existem zonas de casas de banho e lavatórios independentes para professores e alunos.
A energia necessária para fazer funcionar este edifício é conseguida na sua totalidade através do uso de painéis solares, que por sua vez faz funcionar um sistema de aquecimento termal que fornece água quente ao complexo.
A junção de métodos construtivos tradicionais e primários com o recurso a tecnologia serve de modelo para outras comunidades neste pais densamente povoado.



Mais informações sobre este post aqui

Architectural Review Awards - 2008


A revista britânica The Architectura Review revelou os vencedores deste ano do AR Awards para Arquitecturas Emergentes.
O juri deste ano era composto por Sir Peter Cook (arquitecto e critico, Londres), Peter Davey (antigo editor da revista The Architectural Review), Sou Fujimoto (vencedor dos AR Awards em 2006 e por duas vezes finalista mencionado, Tokyo, Japão), Edouard Francois (Paris, França), Sheila O'Donnell (O'Donnell & Tuomey, Dublin, Irlanda) e por último Paul Finch (Editor da revista The Architectural Review e presidente do juri).

Os três projectos destacados foram:

Projecto: Hotel
Localização: Tudela, Navarre, Spain
Autor:
EMILIANO LÓPEZ & MÓNICA RIVERA ARQUITECTOS



Projecto: Habitação
Localização: Rudrapur, Bangladesh
Autor:
ANNA HERINGER WITH BASEHABITAT, BRAC UNIVERSITYand DIPSHIKHA


Projecto: Comércio e Escritórios
Localização: Santiago, Chile
Autor:
ALBERTO MOZÓ STUDIO

23 novembro, 2008

GCA – Arquitectes Associats

Aos meus companheiros de blog e de lutas académicas dedico este post. Que sirva de estimulo para o presente, e de ambição para o futuro, aquilo que projectámos afinal poderá ter alguma pertinência, no mínimo.
Para aqueles que nos acompanharam durante o nosso percurso académico, especificamente no derradeiro ano, reconhecerão as semelhanças, mas decerto não colocarão a nossa autenticidade em causa.
Acima de tudo, deixo-vos com um projecto rico conceptualmente e formalmente.
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O projecto da Autoria do atelier GCA – Arquitectes Associats define-se como sendo um conjunto residencial de unidades habitacionais em unidades simples e de duplex. No interior do edifício as circulações situam-se numa zona vazada do volume, onde são criados pequenos pátios e zonas de passadiços nos diferentes níveis, com luz natural através de clarabóias na cobertura. Nesta zona interior destacam-se também volumes cromáticos que se projectam fora das paredes das habitações, e que contêm cozinhas e escadas interiores, atribuindo uma maior riqueza formal ao conjunto.
A imagem exterior do edifício é resolvida o piso térreo através de uma linguagem subtil que uniformiza os vãos e os planos de alvenaria, enquanto os restantes pisos destacam-se as portadas em alumínio e o revestimento em pedra natural.







22 novembro, 2008

Souto Moura - Torre de Burgos e Quinta Avenida

Os projectos que se seguem são da autoria do Arquitecto Souto Moura e localizam-se na cidade do Porto.

Este conjunto edificado localiza-se na Avenida da Boavista, a maior avenida em linha recta de Portugal, que se estende desde a Rotunda da Boavista, onde se situa a “Casa da Música” até à marginal junto à costa. Urbanisticamente o projecto desenvolve-se em torno de uma pequena praça orientada a Norte, mas paralela à Avenida, e pontuado por dois edifícios, um horizontal com um programa misto de comércio e escritórios, e um vertical, a Torre de Burgos, especificamente para albergar escritórios. No centro da praça encontra-se uma escultura do arquitecto /escultor Nadir Afonso. Os edifícios foram desenhados em linhas simples e muito puristas, numa lógica funcionalista, na qual os elementos estruturais deveriam ser igualmente definidores da fachada, seguindo os ensinamentos da escola de Chicago e a influência de Mies van der Rohe. Sem dúvida que o centro de interesse deste conjunto é o tratamento da fachada da torre, que apesar de não satisfazer a intenção inicial do arquitecto, ou seja, os elementos que a compõem não são estruturais, não deixam de ser concebidos em forma de módulos estabelecendo uma relação directa entre as diferentes faces do volume de forma a criar uma face predominantemente de vidro, e outra mais opaca. Além disso a estratégia concebida por este tratamento modular das fachadas permite enfatizar a altura do edifício, pois perde-se qualquer leitura dos diferentes pisos que constituem a torre.
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O projecto que se segue, Quinta da Avenida, situa-se mais adiante na Avenida da Boavista em relação ao anterior, e é igualmente constituido por um programa misto, de onde se destacam um edificio de comércio, e na rectaguarda, ao longo da colina um conjunto de moradias em banda. O edificio de comércio é o centro do empreendimento, pelo destaque arquitectónico que o arquitecto lhe atribui, através de uma composição volumétrica invulgar, e pela sua própria localização, de frente para a Avenida da Boavista. Ao invés, as moradias, tem um caracter muito mais anónimo, sendo o seu desenho linear e compacto, fazendo uso da morfologia do terreno de modo a criar volumes de cérceas modestas e tirando partido de zonas de pátios interiores e exteriores.


fotografias by CANSON

SAAL - Conjunto Habitacional da Bouça, Porto

Esta obra sem dúvida reflecte aquilo que de mais importante há na Arquitectura, a dedicação de um projectista em poder corresponder às necessidades, e desejos dos moradores e utilizadores dos seus projectos.
Ninguém melhor que o próprio autor pode descrever a sua obra, e apesar de a obra não ser perfeita, parafraseando o autor, para mim está muito próximo de um compromisso entre o espírito comunitário que se pretende de um bairro, e a qualidade arquitectónica do conjunto. 30 anos depois continua e será um exemplo a ter em conta.
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“A conclusão da Bouça foi para mim uma quase surpresa. Nunca perdi completamente a esperança de que isso acontecesse, sobretudo pela contínua pressão dos moradores das nunca acabadas casas da primeira fase.
Depois de 30 anos de interrupção, o empenho da Federação das Cooperativas foi determinante para a decisão da CMP e do INH para finalizar a obra.
Para além de construir a segunda fase do projecto, pretendia-se recuperar as casas existentes (cerca de 1/3 do total). Não era fácil convencer os residentes em prescindir de algumas improvisadas intervenções entretanto realizadas. Sentia-se a dificuldade em aceitar a interrupção do “magnífico isolamento” em que viviam, no centro da cidade, embora em ambiente degradado; e também o receio de um eventual aumento de renda.
Foi necessário um pacífico diálogo com os moradores, o qual tornou clara a obrigação de manter quase integralmente o projecto inicial, salvo poucas excepções; assim o determinava o propósito de preservar as habitações já construídas e habitadas, parte de um projecto unitário. Esse diálogo incluiu cedências e inovações, ainda que pouco relevantes.
Eu próprio me debatia com dúvidas e dificuldades. A revisão do projecto obrigava a considerar a evolução profunda da população residente, em relação ao contexto anterior à revolução de 1974 (era então impensável a necessidade de uma garagem, ou a preocupação em demarcar espaços público e privado, impossível prever o grau de exigência dos regulamentos actuais).
A Bouça era um projecto radicalmente económico, nem outra coisa poderia e deveria ser em 1974.A discussão do projecto revelou, anos volvidos, o desejo (e a possibilidade, ainda que reduzida) de melhoramentos pontuais de qualidade e de conforto. Era necessário atender às exigências manifestadas, algumas por preconceitos que acompanham a melhoria objectiva de qualidade de vida. Foi por isso e de novo, um projecto participado, no que se refere à relação com as famílias residentes.
Concluída a obra, a reacção do mercado mostrou que o tipo de habitação não só correspondia por inteiro às tendências actuais na procura da habitação económica – para bem e para mal – como, por outro lado, eram atractivas para outros sectores da população: estudantes, profissionais jovens, famílias recém-formadas – protagonistas da mobilidade característica da cidade contemporânea.
Na revisão feita perde-se de algum modo a integridade do primeiro desenho. Mas existe agora uma estação metropolitana à porta, ligando com toda a cidade; um fluxo de gente que atravessa o terreno; equipamentos abertos às ruas envolventes; um jardim tratado, automóveis como em qualquer conjunto habitacional.
Não é obra perfeita. Mas seria isso o principal?”

Álvaro Siza

In, J.A. 232

fotografias by CANSON

19 novembro, 2008

Moments

Aqui fica a partilha de um conjunto de momentos, captados na cidade do Porto, cujo tema central, é a Arquitectura e os seus Reflexos.

Colagem #1

Colagem #2
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Colagem #3

17 novembro, 2008

Gente da Casa II

No âmbito da exposição «Gente da Casa – Monitorização de Uma Obra de Arquitectura», a decorrer na LX Factory de 14 de Novembro e 14 de Dezembro e integrada no Festival Temps d’Images 2008, irá ter lugar um ciclo de conversas sobre arquitectura, arquitectos e obras.
Eis o programa:
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20 de Novembro - 19h00, Fábrica do Braço de PrataQual o Lugar do Arquitecto na Arquitectura?
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26 de Novembro – 18h30, FNAC ChiadoMeios de Divulgação e Formas de Consumo da Arquitectura
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3 de Dezembro – 18.30h, Ordem dos Arquitectos SRSCoreografias da Obra
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P.S.: créditos ao blog "barriga de um arquitecto".

13 novembro, 2008

Gente da Casa

Aqui fica uma proposta para o fim de semana.
Eu marquei presença na inauguração. O conceito da exibição e o espaço onde está patente vale bem apena a visita. Se estiverem por lá, aproveitem e descubram o espaço da Normajean.
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12 novembro, 2008

Taliesin - O PRETEXTO PARA SONHAR

Deixo-vos com esta partilha, um momento de leitura verdadeiramente inspirador que nos faz arregaçar mangas e ir ao encontro da magia que faz brotar dentro de nós a paixão pela Arquitectura, e que tantas vezes desaparece como um conto de fadas que deixa de fazer sentido à medida que perdemos a ingenuidade.
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"Dia grande! Uma bela manhã de primavera. Às 9 e pouco estava a perguntar ao homem do Hotel o caminho para Taliesin. "Talvez tomando um bus para Spring Green…", o melhor é perguntar ali em frente. Lá fui aos bus. Sim senhor, às 10,45 e está às 11,54 em Spring Green. A viagem correu normalmente. A paisagem bonita, com grandes campos e colinas suaves.Spring Green é uma pequena aldeia rural.Quando saí do bus sabia apenas que estava em Spring Green, nada mais. Achei por bem dirigir-me ao edifício dos correios, ali perto da paragem do bus. Perguntei à Senhora: "Pode dizer-me como posso ir a Taliesin?" "Tem de voltar para traz e atravessar a ponte nova, mas agora não está lá ninhguém; eles ainda não voltaram". (A Senhora julgava que eu tinha carro e além disso que os queria ver). "Mas eu não tenho carro, não é possível alugar um táxi, ou ir a pé?"; "A pé? São umas 6 ou 7 milhas e táxis… não me parece possível…" Entrou então na conversa um homem de idade que depois soube ser o marido da Senhora (o correio estava mesmo para fechar); o homem coçou o queixo e insistiu. "A Taliesin, mas o Sr. não vê nada e aqui não há táxis…; talvez numa garagem arranje alguém que o leve…". "Não tenho pressa, disse, queria almoçar primeiro e seguir depois; volto para Madison às 7 e tal, portanto tenho muito tempo". "Almoçar? Só se comer uma sandwich, ali (e apontou-me uma casa) porque aqui não há restaurantes… mas o mais difícil é ir a Taliesin…"; "…nemque eu tenha de ir a pé, vim de Portugal para ver Taliesin…". O argumento foi decisivo. O homem disse-me então: "Há-de-se arranjar transporte…". Neste momento parou um carro em frente ao correio e o velhote, deu-me um pequeno empurrão e disse: "Peça áquele senhor, talvez ele possa lá ir…". Cheio de coragem (a necessidade faz milagres) avancei e perguntei: "Please Sir, are you going to Taliesin?" "I? Not now" e avançou sem me ligar importância. O velho então entrou em acção e contou-lhe a minha desdita; "Mas eles não estão lá, está tudo fechado" - "Mas eu tenho de ir…" - "Vá então almoçar e à meia hora eu vou buscá-lo ali". Dei um suspiro de alívio; se o correio fechava sem eu resolver o meu problema não sei o que seria de mim. Para "variar" comi "hamburguer" e bebi um copo de cerveja e à hora combinada estava cá fora. O homem apareceu pontualmente.Entramos no carro e eu contei-lhe com mais pormenor a minha história; "mostro- lhe tudo, conheço muito bem Taliesin e conheci Mr. Wright; trabalhei com ele algumas vezes…""O caminho agora é mais longo porque construiram uma ponte nova e é preciso ir à "highway". Lá saímos de Spring Green, entramos na dita "highway" num percurso pequeno e metemos à direita; "aquela pedra foi ali posta há tempo por Mr. Wright, naturalmente para gravar alguma coisa, mas nada fizeram depois dele morrer…" "E pode ver-se o sítio onde ele está enterrado?". "Pode, está junto de uma pequena capela, eu mostro-lhe" - Fomos andando. Em certa altura o homem parou o carro e mostrou-me o sitio da velha ponte sobre o rio; "foi nesta estrada que morreu a filha de Mr. Wright, um desastre de automóvel, há anos; aqui (e centrou-me o lado oposto ao rio) Mr. Wright comprou uma "farm" e começaram a construir um edifício, creio que para um restaurante; ele queria construir sobre a estrada, mas "eles" não deixaram…".Vi então a estrutura de um edifício que domina todo o rio e cuja construção deve estar suspensa já há tempo. "É possível que a "fellowship" acabe a construção. Eles querem continuar os trabalhos de Mr. Wright…". Seguindo um pouco e ao fim de uns segundos eu via, cortando o ponto mais alto de uma colina, a casa de Wright; afastada, uma outra colina, mas situado na encosta, o conjunto de edifícios vermelhos (dum vermelho terra), de uma "farm". É um momento que não posso esquecer, o desse primeiro contacto com Taliesin. A paisagem sem ser grandiosa é grande e os edifícios sem serem grandes sentem-se perfeitamente na paisagem, sem, de qualquer modo a desvalorizarem. A ideia de Taliesin como uma construção desfez-se nesse momento no meu espírito; Taliesin é uma paisagem, Taliesin é um conjunto, em que é porventura difícil distinguir a obra de Deus da obra dos Homens. Devo dizer, além disso que o sítio é duma beleza surpreendente… Mas o Senhor não me dava tempo para pensar; vamos ver agora o sítio onde Mr Wright está enterrado. Seguimos. Passamos pela entrada da casa, cá em baixo e vimos uma grande represa, água doce. "Quando Mr. Wright cá estava aquilo estava sempre cheio de água…" Metemos à esquerda e apareceu-nos então uma pequena capela, muito simples, com um campanário, construída em madeira. Paramos e o homem avançou. "Está aqui". Disse prosaicamente. Ao lado da capela vi então um pequeno cemitério. Mais próximo da entrada a campa de Wright: pequenas pedras limitavam um rectângulo envolvido por um círculo, construído do mesmo modo; num dos vértices do rectângulo nasce da terra uma pedra, igual a tantas daquelas que ele usou nos seus edifícios, de forma irregular, mas cuja secçção aumenta à medida que se levanta; não sei se há qualquer simbolismo naquela pedra, eu permiti-me encontrá-lo. Atrás, uma pequena pedra, protegida por uma árvore, tem gravada esta inscrição: MAMAH
BORTHWICK CHENEY 1869 1914 1870 É o túmulo de MAMAH, a mulher assassinada e queimada em Taliesin que Wright enterrou naquele lugar.Não longe outra pedra gravada: ANNA LLOYD WRIGHT / BELOVED MOTHER OF 7 FRANK, JANE AND MAGINEL 7 SHE LOVED THE TRUTH AND SOUGHT IT.Ali repousa a mãe de Wright, a cuja família pertencera Taliesin.Afastada, uma coluna branca, tem inscrito o nome JONES, creio que o avô de Wright.Aqui e ali mais túmulos de pessoas que, pelos nomes se verifica pertencerem à mesma Família. O sítio é extraordinariamente tranquilo e Taliesin vê-se ao longe.Não escondo que as lágrimas me vieram aos olhos.Mas o homem queria mostrar-me coisas…"Vou agora mostrar-lhe outra quinta que Mr. Wright comprou… . Lá fomos ver mais um conjunto de edifícios. Aí nem saímos do carro. Um dos edifícios tinha o toque do Mestre. Os outros eram tradicionais edifícios da região."Agora vou mostrar-lhe a escola onde eles trabalhavam…" voltamos para tráz, passamos novamente pelo pequeno cemitério e metemos a um desvio; por todos os lados letreiros diziam "No hunting, no trespassing". "No visitors, closed until may", mas nós avançamos. O carro parou e eu como um louco avancei para o edifício, cuja localização aliás tinha pressentido da estrada; que dizer? Só posso dizer que fiquei maravilhado "Ali é o estúdio, ali atráz têm um teatro, vá e veja…". Fui e espreitei pelos vidros; Lá estava a conhecida sala de trabalho, tendo na entrada uma grande fotografia de Wright e um poema de Walt Whitman.Espreitei o teatro; um biombo japonez, o balcão de Wright, o palco… tudo parado… nem vivalma… mas os espaços falavam com um impacto extraordinário. Contornei o teatro e encontrei um terraço debruçado sobre a pequena colina. Na escada que dá acesso à entrada do estúdio uma pequena escultura de Wright bate exactamente com o edifício. Não cuidei de ver pormenores mas pressenti em tudo uma riqueza de formas, dum à vontade, que nunca encontrara na arquitectura contemporânea.Senti-me na Idade-Média, na Grécia ou no México, na presença de uma Catedral, de um Panteon ou de um templo azteca, tal é a integridade daquela arquitectura. Vi o mais que pude. Mas o homem já estava dentro do carro com o motor a trabalhar…Voltamos à estrada. "Quer ver outra casa, dum arquitecto que trabalhava com Mr. Wright e comprou aqui uma quinta?" Com certeza. Lá fomos. Um rico jogo de edifícios na paisagem, a nota de Wright por toda a parte. "Aqui vamos ver aquela quinta perto da casa". Novamente no carro subimos a pequena encosta até à quinta. Num ou noutro pormenor, Wright lá estava. Quando descemos da quinta o homem apontou para outra encosta e disse: "Ali é a casa da irmã, também foi projectada por ele… mas está muito abandonada…". Não insisti para irmos lá, tão amável era o homem. Mas vi nesse momemto, mais uma vez e melhor do que nunca, o velho moínho, o Romeu e Julieta que Wright desenhara nos princípios da sua carreira…Descemos. Sempre a paisagem magnífica, grande mas não desproporcionada, uma cor de amarelo queimado em tudo…"E agora a casa…". Passamos pela entrada principal mas ele achou melhor irmos pela entrada de serviço. Começamos a subir e por entre a vegetação comecei a descortinar planos vários de paredes e de coberturas lá em cima. Os avisos sucediam-se: "no visitors… no trespassing… no hunting… closed until May…" Entramos num páteo de serviço, onde estavam vários automóveis. Saí, vi e fiz umas fotografias, mas não tive coragem de avançar.Senti que já tinha compreendido Taliesin e estava emocionalmente extenuado.Sentei-me no carro e disse ao homem: "é melhor não abusar". Cá em baixo a água corria, no topo de um muro por grandes tubos de grés colocados em fiada…Eu estava realmente extenuado.Vimos mais uma "farm" de Mr. Wright, despedi-me de tudo aquilo e voltamos para a aldeia. O homem tinha tomado conta de mim à meia-hora e deixou-me exactamente duas horas depois.Quando me deixou eu estava longe de mim e longe de tudo. Resolvi sair da aldeia e avançar pelo campo. Tomei uma estrada poeirenta onde passava de vez em quando um carro.Então chorei como uma criança… Taliesin não me saia (nem me sairá) dos olhos; até a cor do pó da estrada me lembrava Taliesin. Avancei pela estrada não sei até onde. Não podia pensar concretamente. Qualquer coisa se apoderara de mim. Sentei-me algures. Descansei.Lágrimas várias: Notre Dame, Chartres, Cordova, Capela de Miguel Ângelo, - "olhos que nunca se molham mas vêm quando olham…" (Afº. Lopes Vieira).Tinha razão o poeta: "olhos que nunca se molham não vêm quando olham". Naquelas duas horas eu tinha sofrido, estou certo, um dos maiores choques, talvez o maior da minha vida de arquitecto.Taliesin, disse já, é mais do que um edifício, uma paisagem; mas acrescento agora, Taliesin é também uma vida e uma filosofia. Eu compreendi Wright e o seu chapéu, compreendi as suas formas e o seu amor à terra, o seu pensamento e o sentido das suas coisas… . E ao sentir toda aquela vida de criação, tomei também contacto com outra realidade: a da morte do Homem no lugar do seu sonho. Porque exactamente Taliesin impressionou-me pelo que possue de total, de cósmico, pelo que existe ali para além da pedra, da madeira, deste ou daquele requinte da forma.Tudo se esquece ali de acidental da vida de Wright: os seus caprichos formalistas, a sua vaidade, o custo das suas obras, os seus automóveis, as suas pequenas coisas do dia a dia; tudo esquece a quem vir Taliesin como eu tive a oportunidade de ver e Taliesin aparece então com a força de uma rocha, a beleza de uma flor ou a calma de um lago.Taliesin além de me fazer chorar durante as primeiras reacções obrigou-me a pensar muito. Um dia ouvi o Sr. Giedion dizer com um sorriso, a propósito da "famigerada" integração das artes, que "Mr. Wright afirma não existir para ele tal problema porque ele é pintor, escultor e arquitecto". Estou convencido que a integração das artes pela qual a entendem os funcionalistas é coisa estúpida (O Harvard Graduete´s Center é mais uma prova evidente) e estou convencidissimo de que Wright resolveu o problema como foi resolvido aliás nos velhos tempos, onde começa a arquitectura e acaba a escultura ou a pintura nos edifícos de Wright? E onde acaba a arquitectura e começa o paisagismo ou o urbanismo? Ninguém sabe. Este homem consegue nos seus edifícios integrar as artes como o fizeram os góticos, por exemplo e veio provar-me de que é possível (embora com génio) resolver o tal dilema a que já me referi neste diário: dum lado, o funcionalismo mais ou menos prosaico nas arquitecturas, e do outro os museus cheios de pinturas e de esculturas mais ou menos modernas.E Taliesin é também uma lição no que respeita à prisão dum edifício aos valores naturais e humanos. Ali uma família e um Homem presos a uma terra, um conjunto de edifícios nascendo duma paisagem, a tudo presidindo um pensamento e uma forma. Ali uma força enorme liga coisas e seres. E pensar eu que vi um templo indiano e uma casa de chá japoneza no Museu de Philadelphia e claustros românticos em Nova York! O poder de integração em Taliesin é tão forte que chega a ofender-se Deus pensando que Wright também foi o creador daquela paisagem!Vi muita coisa na América até hoje: desde as melhores Racket Girls do mundo, até à altura do Empire State, vi estatísticas e números e cadeias de montagem, vi edifícios e arquitecturas, vi museus e planos e planos, vi highways e prosperidade por todo o lado: mas a poesia, a humanidade e a grandeza, só as encontrei em Wright. Tudo o que vi compreendi pela inteligência; aqui o pouco que vi permitiu-me sentir tudo sem nada me ter sido explicado. Os edifícios de Taliesin não são crianças em idade; alguns terão os trinta ou quarenta anos, o que aliás o seu estado de conservação deixa advinhar, no entanto, mesmo que estivessem em ruínas, conteriam ainda um grande poder de expressão, como vi monumentos do passado; o que seria uma ruína da Vila Savoie ou uma ruína do Seagram Building? O tempo em Taliesin joga a forma da arquitectura e da paisagem, o que creio não acontece em 90% da arquitectura moderna. Vi há tempo a casa de Gropius em Lincoln: quando vi Taliesin, a casa de Gropius pareceu-me um frigorifico pousado numa colina! Não há dúvida que o Zevi tem razão: o Sr. Giedion enganou-se, ao por Wright no princípio e Le Corbusier no fim do seu livro; foi um pequeno engano… de pôr tudo ao contrário. E o mundo sente, todos nós sentimos (e eu chorei por isso mesmo) que me falta qualquer coisa, que a máquina está perturbada que o caminho não é exactamente este e que os anos passam…Estamos a fazer uma arquitectura de "esqueletos decorados"; e Wright conseguiu crear organismos. Quem se atreve a discutir a forma de um dedo, a cor de uma flor ou o bico de um pelicano? São assim… porque são assim.É isso que nós precisamos de fazer em lugar de andar a vestir esqueletos com pinturas e esculturas ou a apresentar os esqueletos em pêlo como se um animal fosse apenas o seu esqueleto ou a qualidade dum vinho pudesse apreciar-se pela fórmula química que o representa… Está tudo doido.Enfim isto é um pouco, muito pouco, do muito que meditei sobre Taliesin.Lá repousei pelos campos desse Wisconsui que ele tanto amara e pelas cinco horas voltei a Spring Green. Comi alguma coisa (o mesmo hamburguer idêntico copo de cerveja) e vim para a estrada esperar o bus.Estava já mais calmo mas longe ainda de estar calmo. E tão aéreo ainda que o bus passou e só quando passou é que lhe fiz sinal para parar. O homem ficou zangado e parou muito longe porque vinha largadíssimo.Enfim cheguei a Madison perto das 8 da noite. O dia tinha sido extraordinariamente forte. Quando me deitei ainda as pernas me tremiam e ainda os olhos estavam molhados.(Soube hoje, 11 de Abril, que no dia 9 em que visitei Taliesin fazia exactamente um ano que Wright morrera; talvez por isso mesmo a sua presença era tão forte neste dia…)."


FERNANDO TÁVORA Diário da Viagem aos USA, 1960