29 junho, 2007

Renaissance

Dubai Renaissance é um projecto da autoria de Rem Koolhaas e Fernando Donis do atelier OMA, para uma competição no Dubai, no ano passado, cuja intenção era a criação de um ícone (mais um ícone…diria), no centro da Business Bay desse país.
Apesar de Rem Koolhaas ter perdido a competição para a antiga colega e co-fundadora dos OMA, Zaha Hadid, com as suas Dancing Towers, encontra-se neste momento a negociar a construção deste projecto noutro local nos Emirados Árabes Unidos.
Concebido, ao invés do solicitado, como um “anti-icon”, num claro acto de provocação e de afirmação, o projecto apresenta-se como sendo um prisma maciço e delgado, sem qualquer tipo de artifício formal.

Pois bem, à partida a atitude conceptual por detrás deste projecto parece-me mais do que adequada, esta atitude de re-acção numa zona do globo onde o império petrolífero permite as maiores extravagâncias arquitectónicas poderia ser a oportunidade ideal para lançar um repto aos inúmeros arquitectos que espelham nos seus projectos o desmesurado tamanho do seu ego. Mas há algo de incoerente nesta estratégia, não podemos ser pregadores e pecadores ao mesmo tempo.
Já retomarei à minha linha de raciocínio, mas sem antes vos transcrever algumas linhas da memória descritiva que acompanhou o projecto, sem qualquer dúvida um texto teórico eloquente e estruturado, num nível qualitativo que os OMA nos têm habituado.


“The ambition of this project is to end the current phase of architectural idolatry – the age of the icon – where obsession with individual genius far exceeds commitment to the collective effort that is needed to construct the city…
Instead of an architecture of form and image, we have created a reintegration of architecture and engineering, where intelligence is not invested in effect, but in a structural and conceptual logic that offers a new kind of performance and functionality.
So far, the 21st century trend in city building leads to a mad and meaningless overdose of themes, extremes, egos and extravagance.
What is needed is a new beginning, a Renaissance… Dubai is confronted by its most important choice: Does it join so many others in this mad, futile race or does it become the first 21st century metropolis to offer a new credibility?
The design of the building wastes no energy on useless invention. It proposes a single monolithic volume constructed, like an elevator core, in one continuous operation – 200 meters wide and 300 meters tall. Instead of competing with the Burj Dubai merely in terms of height, it overshadows it in terms of presence and substance…
If the shape of the Renaissance offers a massive presence from one side, from another angle it reveals exceptional slenderness…
Both conditions will stand out among the surrounding towers, a radical experiment in alternating identities.”

Estou rendido a esta brilhante argumentação, mas depois custa-me ver a diferença entre a prática e a argumentação. Um senhor (desculpem mas vou individualizar os OMA na pessoa do sr. Koolhaas, peço desculpa ao Artur que gastou as pestanas nesse atelier) que se apresenta no Porto com um projecto que não passa de um exercício de amplificação de escala de um projecto falhado para uma habitação familiar, que edifica uma forma em pleno coração da Rotunda da Boavista sem respeitar a mínima relação com o local e as suas características próprias, não mais que um ícone forçado na cidade, numa cidade cujas intervenções até à data tinham pautado pelo respeito por esta identidade própria, única na sua homogeneidade, como um leve e fresco suspiro a beira rio, sem avulsos de uma tosse rouca e forçada, agora imposta. Acrescentar que recentemente esta peça arquitectónica, à qual teci umas ligeiras críticas, acabou de ganhar o Prémio Europeu de Arquitectura, entregue pela RIBA (eu não devo perceber nada de arquitectura).
Pois bem, só vejo uma explicação para a atitude de Koolhaas neste projecto no Dubai, após satisfeito o seu ego com a Casa da Musica deverá ter tido um momento de lucidez, e num acto de contrição vem apregoar como um bom samaritano o fim desta overdose de pornografia visual na arquitectura.
Na boa tradição católico cristã portuguesa, deveria aceitar que o senhor realmente acredita nas palavras acima transcritas, mas se tomarem atenção ao que escrevi no inicio deste post, vemos quantas mascaras o ser humano possui, como é capaz de vender a própria alma. Não bastando ter entrado numa competição com uma atitude de confrontação, numa clara demonstração de poder e de afirmação pessoal, não bastando ter perdido e podendo sentir-se satisfeito por ter, supostamente, passado uma mensagem com uma forte intenção pedagógica, o seu ego só ficou satisfeito quando conseguiu reformular o projecto de modo a materializá-lo noutro local. Os projectos de arquitectura passaram, e isto não são receios antigos, é a prática comum vigente, a ser objectos de design, que são produzidos de modo a satisfazer uma utilização eficiente, sem local ou utilizador específico, estamos perante o denominado design universal na arquitectura.
Mudaram-se os valores, mudam-se as vontades e a arquitectura passa a ser reflexo de uma moda.



O anti-icone de Rem Koolhaas


O icone de Zaha Hadid

25 junho, 2007

Uchronia - planeta da criação

Uchronia é o sugestivo nome que define uma comunidade virtual de mentes criativas, fundada pelos belgas Jan Kriekels e Arne Quinze. A intenção deste espaço é criar uma plataforma onde pessoas de todas as áreas encontrem um espaço para expandir a sua criatividade, onde possam trocar ideias e projectos inovadores, um espaço de um contínuo fervilhar de audácia imaginativa. Mas a grande valia desta plataforma artística, é passar das palavras aos actos. Os Uchronianos comprometem-se a juntar esforços para poder realizar os projectos que juntos tem concebido. E o que aqui vos mostro é o culminar do primeiro vestígio físico da civilização Uchroniana.
Baseados numa nova visão sobre a sociedade, à qual denominam “economia criativa”, pretendem fazer a ponte entre o materialismo e o espiritualismo. Assim, aliando a satisfação de transformar a criatividade pessoal num objecto único, surgiu uma instalação gigantesca no Nevada, numa área denominada Black Rock desert. Esta escultura habitável, seria audácia a mais chamar-lhe peça de arquitectura, resulta de 150km de madeira, numa área de 60 por 30 metros e com uma altura de 15 metros.
Este espaço fruto da imaginação de indivíduos activistas demonstra o poder que todos temos por marcar a diferença e a habilidade para fazermos actos impressionantes. Esta mega estrutura inspira-me de todas as formas, pela sua materialidade, pela sugestão das suas formas esguias, orgânicas, pela leveza e pela transparência, pela forma como se deixa transformar pelo ambiente envolvente, pela luz, pela sombra, pelas pessoas que dentro dela ocupam o seu espaço residual para em conjunto festejarem o triunfo da essência humana.
Esta realização é um marco, uma referência na história, uma tentativa através de um acto criativo de mudar… e não haverá melhor forma de exorcizar os nossos pecados do que através do fogo. Burning man!
Aqui fica o preview do filme feito no local durante os dias em que durou este festival!
Deixem-se inspirar!
o

20 junho, 2007

Embaixada da Holanda na Etiópia

A colocação deste post é uma pequena provocação à arquitectura holandesa, às suas raízes, e ao modo como preconceituosamente rejeitam certas soluções dentro das suas fronteiras.
O projecto concluído em 2000 para a Embaixada da Holanda na Etiópia, da autoria do arquitecto Dick van Gameren (ex-membro fundador dos Architectengroep) demonstra de um modo superior a utilização do betão cru e das suas inúmeras possibilidades adjacentes a esse material, algo que na prática quotidiana neste país não acontece.
Para mim, é com alguma estranheza, que observo em meu redor a necessidade da arquitectura holandesa se socorrer em demasia do deslumbre do tratamento de fachadas, do uso diversificado e intensivo de diferentes materiais, numa clara alusão ao less is a bore. Além do mais, o uso do betão como material de revestimento é quase inexistente, sendo a sua função unicamente estrutural. E esta situação, causa-me alguma confusão. Porquê não darmos verdadeiro destaque ao edifício na sua verdade construtiva, na sua integridade e honestidade, em vez de recorrermos a operações de cosmética, onde as fachadas são layers de projecção visual para o exterior? E cada vez mais, não necessitamos de fazer apologia da arquitectura entediante, uma vez k podemos aplicar texturas, padrões e colorações ao betão, é dos materiais com mais potencial a nível da sua flexibilidade de uso.
Assim, é com agrado, que verifico um atelier holandês a fazer um uso sábio deste material, embora somente num pais do terceiro mundo, e a sua escolha se tenha devido acima de tudo às limitações técnicas que se encontraram.

O projecto em si possui outras qualidades de destaque, além do modo como o betão foi usado. O projecto consiste numa diversidade programática, que se distribui por diferentes edifícios ao longo da propriedade, caracterizada pelo seu desnível acentudado e pela predominância de eucaliptos. O edifício de maior destaque consiste na embaixada e na residência do embaixador. O cuidado em integrar o edifício na paisagem foi um dos temas centrais do projecto, dai ter-se optado por uma solução que evitasse ter um impacto impositivo. O volume horizontal, adoçasse à morfologia, sendo intersectado pelo terreno, estabelecendo a diferenciação entre as duas funções acima descritas. O edifício tem leitura de um todo, no entanto está dividido em duas partes que não se confrontam, permitindo estabelecer uma imagem de contacto permanente com a natureza, factor relevante do local.
O gesto é simples mas essencial para o equilíbrio da forma no sítio em que é implementada.
o

17 junho, 2007

Sfabrikg - um novo modo de habitar

O laranja vivo que abraça todo o complexo denuncia o carácter excepcional da construção, além da sua diferenciação conceptual dos demais modos de vida quotidianos.
Em meados dos anos 80 em Viena, um grupo de pessoas descontentes com a situação vigente no mercado imobiliário, o preço elevado das habitações e a falta de soluções que absorvem-se os grupos que se afastassem do conceito de família tradicional, reuniram-se em torno de uma ideia, de um projecto de vida. Desejavam criar uma cooperativa habitacional onde pudessem coabitar diferentes culturas e modos de vida. Para tal, formaram a “Associação para a integração de modos de vida” (VIL).

Em 1996, passados 10 anos, a visão utópica por detrás deste projecto via a luz do dia, a cidade de Viena acolhia além de uma solução urbana vanguardista, também uma experiência social única. Estávamos perante uma “villa dentro da cidade”, auto-suficiente e com um leque alargado de funções que permitiam não só satisfazer as necessidades dos seus habitantes como também oferecer um conjunto de benefícios à própria cidade, mais concretamente na área de influência urbana deste projecto.
Assim este projecto, além de 70 apartamentos que partilham zonas comunitárias, engloba ainda uma creche, espaço de exposições, sala para seminários, espaço para banhos restaurante, zona de recreio exterior, espaços exteriores comunitários, coberturas ajardinadas, biblioteca, entre outras funções.
Condição fundamental para se habitar neste complexo habitacional consiste em aceitar a ideia de viver em comunidade, os candidatos a ocupar um apartamento devem apresentar-se aos restantes habitantes, e aceitar os diferentes modos de vida, numa lógica de partilha e comunhão. Os apartamentos são desenhados tendo por detrás este conceito, as zonas técnicas são reduzidas ao mínimo, assim como espaços de estar, uma vez que o complexo oferece zonas de lavandaria, banhos, salas de convívio comunitárias.
A arquitectura ficou a cargo do atelier vienense BKK-3, cujo fundador é membro e habita nesta cooperativa habitacional. A este nível a proposta revela uma forte integração urbana, ocupando o espaço de uma antiga unidade industrial dentro de um dos quarteirões classicistas da cidade. Deste modo o projecto desenvolve-se do vazio urbano, moldando-se aos edifícios que limitam a sua zona de movimento, adaptando-se mas impondo-se como uma unidade diferente. Os espaços comunitários constituem a centralidade deste projecto, assim como a relação que estabelecem com as diferentes valências deste complexo. De destacar o uso de estratégias ambientais simples, como o aproveitamento das águas pluviais, as coberturas ajardinadas, e a orientação dos envidraçados que permitem controlar os gastos energéticos do edifício.
Uma experiência pioneira, que usa a arquitectura como ferramenta para a concretização de um ideal social, em prol de uma comunidade e dos seus habitantes.
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